Transporte Multimodal de cargas
Emerson Souza Gomes *
A Lei 9.611/98 disciplina o regime jurídico da espécie de transporte denominada de “transporte multimodal de cargas”. Conforme o seu art. 1º, “Transporte Multimodal de Cargas é aquele que, regido por um único contrato, utiliza duas ou mais modalidades de transporte, desde a origem até o destino, e é executado sob a responsabilidade única de um Operador de Transporte Multimodal”.
Trata-se, assim, o transporte multimodal de gênero de contrato que obriga o transportador (operador de transporte multimodal) ao transporte de determinada coisa da origem ao seu destino, por meios próprios ou se valendo do serviço de terceiros, sendo que, para a sua caracterização, faz-se necessária a utilização de no mínimo duas modalidades de transporte (aéreo, aquaviário, dutoviário, ferroviário ou rodoviário).
O contrato de transporte multimodal de cargas não só abrange a prestação de serviços de transporte, mas, igualmente, serviços de coleta, de unitização, de desunitização, de movimentação e de armazenagem, além da entrega da carga ao destinatário, podendo ainda, conforme a vontade dos contratantes, abranger serviços correlatos entre a origem e o destino, inclusive os de consolidação e desconsolidação documental de cargas.
Quanto à unitização vale defini-la como sendo “o processo usado para facilitar o manuseio e transporte de carga geral, pelo qual os volumes são embalados ou fixos a dispositivos de unitização, por exemplo, pallet, ou quando são assim juntados num container”1. A unitização de cargas se dá através de dispositivos de unitização de cargas, podendo ser: a) Contêiner, receptáculo de carga de metal usado para transporte hidro-rodo-ferroviário, sendo denominada neste caso de ISO (International Standardization Organization) e IATA ( (International Air Transport Association), utilizado para o transporte aéreo; b) Palete, espécie de plataforma de madeira, metal ou plástico, onde a carga é fixada no piso; c) Linga, dispositivo feito de correntes, cabos ou fitas de tecido para amarrar cargas que se deseja içar2.
O transporte multimodal de cargas somente pode ser efetuado por intermédio de um OTM, sendo este sempre uma pessoa jurídica. Não necessariamente o OTM precisa ser um transportador, mas sempre será o responsável pela realização do transporte, valendo-se para isto de meios próprios ou de serviço de terceiros. O contrato de transporte é assim realizado pelo OTM através da emissão do Conhecimento de Transporte Multimodal de Cargas, sendo que após isto, contrata os transportes necessários para a entrega da mercadoria ao destino, escolhendo o modal que melhor provier, bem como, serviços outros que se fizerem necessários como a coleta, a unitização, a armazenamgem, etc.
O OTM deve ser habilitar previamente para o exercício da atividade obtendo registro junto à Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT. Caso o transporte multimodal seja internacional, depende também o OTM de habilitação frente à Receita Federal do Brasil, para fins de controle aduaneiro. Outra peculiaridade é a de que qualquer alteração no contrato social ou estatuto da sociedade operadora deverá ser comunicada à ANITT sob pena de cancelamento da inscrição.
Como mencionado, o contrato de transporte multimodal de cargas se aperfeiçoa com a emissão do Conhecimento de Transporte Multimodal de Cargas pelo OTM, passando este documento a reger toda a operação de transporte, desde o momento do recebimento da carga até a sua entrega efetiva. O conhecimento de transporte multimodal de cargas pode ser negociável ou não, a critério do expedidor.
Com a emissão do Conhecimento de Transporte Multimodal o OTM se responsabiliza pela execução de todos os serviços da origem ao destino, mesmo que prestados exclusivamente por terceiros. É responsável, igualmente, pelos prejuízos resultantes de perda, danos ou avaria da carga sob sua custódia, assim como pelos decorrentes de atraso em sua entrega, quando houver sido acordado prazo para tal. Em ocorrendo dano à carga, deverá ser lavrado “Termo de Avaria”, sendo assegurado às partes interessadas o direito de vistoria, sem prejuízo da observância das cláusulas do contrato de seguro, quando houver.
Neste sentido, segue a jurisprudência:
“RESPONSABILIDADE CIVIL – Ação regressiva de indenização – Aplicação da Teoria do finalismo aprofundado Contrato de transporte multimodal — Mercadoria extraviada — Responsabilidade que persiste tanto no caso da requerida ter transportado diretamente, bem como no caso de ter confiado o transporte a terceiros – Responsabilidade objetiva ante o risco assumido – Ademais, demonstrada a deficiência na prestação do serviço ante o extravio de algumas mercadorias do próprio depósito – Indenização pelo valor equivalente ao da perda do equipamento objeto do contrato de transporte – Recurso da requerida parcialmente provido e recurso da autora improvido. (TJSP, APEL.7.245.436-3)”
De outra parte, o Operador de Transporte Multimodal e seus subcontratados somente serão liberados de sua responsabilidade em razão de:
a) ato ou fato imputável ao expedidor ou ao destinatário da carga;
b) inadequação da embalagem, quando imputável ao expedidor da carga;
c) vício próprio ou oculto da carga;
d) manuseio, embarque, estiva ou descarga executados diretamente pelo expedidor, destinatário ou consignatário da carga, ou, ainda, pelos seus agentes ou propostos;
e) força maior ou caso fortuito.
Por fim, vale lembrar que as ações judiciais oriundas do não cumprimento das responsabilidades decorrentes do transporte multimodal deverão ser intentadas no prazo máximo de um ano, contado da data da entrega da mercadoria no ponto de destino ou, caso isso não ocorra, do nonagésimo dia após o prazo previsto para a referida entrega, sob pena de prescrição, sendo facultado ao proprietário da mercadoria e ao Operador de Transporte Multimodal, dirimir eventuais conflitos recorrendo à arbitragem.
(*)Sócio da Pugliese e Gomes Advocacia. Especialista em Direito Empresarial www.pugliesegomes.com.br