A judicialização (onde todos os conflitos são transformados em processos e abarrotam o sistema judiciário brasileiro) é um fenômeno crescente e incontrolável, onde questões que poderiam ser negociadas entre as partes deságuam no judiciário e muitas vezes impedem o desenvolvimento sadio das relações. Damiano Flenik, advogado e presidente da CMAJ, Câmara de Mediação e Arbitragem de Joinville, comenta sobre o tema.
O país inteiro tem reclamado da “judicialização” das questões públicas, que acabam emperrando obras e projetos, é fato isto?
Sim, a pretexto de maior seriedade na gestão pública e até pelo tradicional respeito aos juízes que faz parte, até exagerada, de nossa cultura, ocorrendo qualquer dúvida ou falta de clareza, os órgãos públicos dificultam a resposta ao cidadão, engavetam ou vão à justiça, para que o juiz decida. Não tenho dúvida, o judiciário brasileiro é uma via larga e generosa que deixa de fazer o seu papel principal – dizer o direito – para se dedicar na substituição de um serviço público deficiente. E o modesto nível dos nossos servidores civis, a ausência de critérios com base na meritocracia dos quadros, leva a um serviço público de má qualidade, que produz ações judiciais. Juiz só deve ser invocado em conflitos sérios, profundos, e não em picuinhas.
Existem formas diferentes de solucionar conflitos, tanto na esfera privada, como na pública?
É notório um empenho do judiciário na busca de novas formas. É válido. Mas o judiciário precisa assumir a liderança disso (não podemos contar com deputados nem com senadores, por razões óbvias), enquanto a população precisa ser conscientizada da existência das formas extrajudiciais, como a medição, a arbitragem, a conciliação, que produzem resultados tão bons ou melhores do que um processo judicial com mais rapidez e menores custos.
Estas formas são mais vantajosas? Em que aspectos?
Há décadas a ONU distribuiu um modelo de lei de arbitragem, fruto aprovado numa assembleia com os mais credenciados representantes dos países, de todo o mundo. Hoje a lei federal brasileira 9.307, que é um diploma dos melhores, e eu diria único, com condições de “desafogar” o judiciário. As vantagens do sistema arbitral – e poder ser como parceiro do judiciário estatal – a simplicidade; a economia de tempo e dinheiro; o acerto prévio do preço a pagar; duração máxima em seis meses do processo e residem, as soluções pela jurisdição privada, na confiança que inspiram ou merecem os árbitros e as instituições que os congregam – a parte pode os recusar num telefonema (no judiciário instaura-se um incidente que pode durar 4 anos), enquanto a causa fica paralisada! E, no Brasil, estes processos são absolutamente sigilosos e não afetam a vida particular.
O número de ações judiciais em andamento assustam: em torno de 100 milhões de processos, sendo que a maior parte destes envolvem empresas, de todos os portes.
Pode se reverter este quadro? Como?
Não tenho medo de errar, a única fórmula para resolver o problema do judiciário está na conscientização da população, principalmente do empresariado, quanto a Lei 9.307/96, embora ainda enfrente o conservadorismo de alguns advogados brasileiros, que acham “normal” a morosidade, está em franca consolidação; e também na mediação e na conciliação, formas tão simples e tão eficazes. O Brasil precisa acompanhar o mundo e adotar na sua plenitude estas formas extrajudiciais que são a única fórmula capaz de resolver a morosidade e dar uma justiça de verdade, não só com acesso facilitado, mas também com “saída” previsível. A judicialização, desnecessária, das demandas, em torno de conflitos de direito, é um mal terrível para a nação.