São Paulo – A economia brasileira passou por um processo de desaceleração nos últimos meses, a Europa e os Estados parecem caminhar para um período longo de baixo crescimento e as bolsas mundiais não acham o fundo do poço. Só o preço dos imóveis que não para de subir no Brasil. Divulgado na última quarta-feira, o índice FipeZAP, principal indicador brasileiro dos preços dos imóveis residenciais no Brasil, apontou uma valorização de 17% apenas nos sete primeiros meses deste ano. Ainda que o ritmo de alta esteja em desaceleração (+2,7% em abril, +2,6% em maio, +2,3% em junho e +2,1% em julho), os preços continuam a avançar a um passo bem mais acelerado que o do principal indicador de inflação no país, o IPCA.
Para entender por que o preço dos imóveis persiste em subir tão rapidamente e o que poderia frear esse movimento no futuro, EXAME.com conversou com Eduardo Zylberstajn, pesquisador da Fipe e coordenador do índice FipeZAP. Leia a seguir um resumo de sua visão para o mercado imobiliário brasileiro:
O preço dos imóveis tem registrado forte valorização desde meados da década passada. A alta acima da inflação foi de cerca de 70%. Mas uma boa parte dessa valorização aconteceu devido ao fato de que os preços praticados anteriormente eram muito baixos. Houve uma forte correção, mas a partir de uma base de comparação excessivamente baixa.
A explicação para esse movimento é econômica e, basicamente, inclui quatro grandes fontes de pressão sobre a demanda. O primeiro foi o controle da inflação, sem o qual não haveria incentivo ao planejamento financeiro e a poupança necessária para a compra de um imóvel. Não acredito que o atual governo esteja disposto a colocar em risco o controle dos preços.
Outro fator que alimentou e continuará a alimentar a demanda por imóveis é demográfico. A cada ano, surgem brasileiros interessados em comprar mais 1,5 milhão de novas residências. Parte disso vem do crescimento populacional, mas não é só isso. Mais pessoas estão saindo da casa dos pais para viver sozinhas ou em famílias pequenas. Uma pesquisa do IBGE mostra que o número de pessoas em cada residência caiu de 3,7 para 3,2 na última década. Sem falar no déficit habitacional que ainda existe no Brasil e que vai gerar demanda por vários anos.
O terceiro
Em minha opinião, o único impulso à valorização dos imóveis que deverá perder força é o crédito. Tenho muitas dúvidas se a expansão dos financiamentos imobiliários vai se manter no ritmo atual. A explicação é financeira: os bancos não terão dinheiro para conceder crédito com as taxas de juros atuais.
O crédito habitacional é o mais barato entre todas as modalidades concedidas para as pessoas físicas porque há uma espécie de subsídio implícito criado pelo governo. Os recursos da caderneta de poupança são a principal fonte de financiamento para que os bancos possam oferecer empréstimos para que a população compre casas. Os bancos captam dinheiro via caderneta e pagam aos poupadores uma remuneração anual de 6% a 7%. Em seguida, emprestam esse dinheiro a taxas que geralmente vão de 11% a 12% ao ano para quem deseja comprar uma casa. Esse tipo de operação é suficiente para cobrir eventuais perdas com inadimplência e ainda garante um pequeno lucro aos bancos.
O problema é que os recursos da caderneta de poupança devem se esgotar em meados de 2012. Hoje o estoque da poupança soma quase 310 bilhões de reais. Desse total, 65%, ou cerca de 200 bilhões de reais, devem ser obrigatoriamente direcionados para o crédito imobiliário – do contrário, se transformam em depósitos compulsórios recolhidos junto ao Banco Central. Os números divulgados pela Abecip nesta quarta-feira (03/08) mostram que o estoque de crédito imobiliário já soma cerca de 160 bilhões de reais. Apenas no primeiro semestre, foram concedidos mais 37 bilhões em crédito imobiliário. A previsão para os 12 meses de 2011 é de que 85 bilhões sejam liberados.
Olhando para esses números e mesmo considerando o rendimento da poupança, eventuais novas captações e amortizações de empréstimos para a compra de casas, acredito que em algum momento de 2012 vai acabar o dinheiro da caderneta que poderá ser usado no financiamento da expansão do crédito imobiliário. E isso muda tudo. Os bancos terão de buscar no mercado outras formas de financiamento para conceder esses empréstimos. Existem várias opções, mas nenhuma delas inclui o subsídio implícito da caderneta de poupança.
Quando a fonte de recursos se tornar mais cara, acho que o custo será repassado ao consumidor e o crédito imobiliário também vai se tornar mais caro. Os juros mais altos devem fazer com que a compra de imóveis deixe de caber no bolso de algumas pessoas. Nessas condições, menos gente conseguirá fechar negócios. Não estou dizendo que o preço dos imóveis vai parar de subir a partir desse momento, mas acho que vamos observar variações de preço menos intensas.
Um dos principais estudiosos de preços de imóveis e outros ativos é o economista americano Robert Schiller. Ele inclusive é um dos responsáveis pelo índice Case-Shiller, um dos principais termômetros do mercado imobiliário americano, e também é bastante famoso por ter previsto, desde 2005, o estouro da bolha hipotecária.
Em um de seus estudos bastante conhecidos, Shiller avaliou os preços dos imóveis nos Estados Unidos desde 1890 e demonstrou que as variações são muito grandes, mas que, na média, crescem a um ritmo parecido com a inflação americana. Aos grandes ciclos de alta seguem-se, portanto, ciclos de baixa que anulam parte da valorização anterior, e assim por diante.
O índice FipeZAP, na verdade, já demonstra certa desaceleração no ritmo de aumento dos preços dos imóveis, mas os preços ainda sobem bem acima da inflação. Não sei se essa será a tendência para os próximos meses. O que estou querendo dizer é que, a partir do momento em que o crédito ficar mais caro, haverá uma motivação econômica para que os preços dos imóveis avancem a um passo mais lento.
Fonte: TWC