Por Andréa Campos
Uma nova instrução normativa para disciplinar e modernizar o regime de admissão temporária está em elaboração na Coordenação-Geral de Administração Aduaneira (Coana) e deve ser publicada neste semestre. O texto adapta as regras aos mecanismos internacionais de simplificação e harmonização definidos pela Convenção Relativa à Admissão Temporária – conhecida como Convenção de Istambul e publicada no Brasil pelo Decreto nº 7.545/11 – e considera as propostas apresentadas por representantes do setor privado, em especial o Instituto Aliança Pró-Modernização do Comércio Exterior (Procomex), em conjunto com grupo de trabalho da Receita Federal do Brasil, que resultaram do mapeamento de etapas e procedimentos.
A parceria público-privada possibilitou a visão do processo como um todo, com o diagnóstico das situações-problema e sugestões para eliminar ambiguidades, retrabalho, burocracia e divergências de interpretação da legislação. Para o subsecretário internacional e de assuntos aduaneiros da RFB, Ernani Checcucci, a PPP permitiu identificar questões pontuais e direcionar os investimentos necessários.
As recomendações não arriscam qualquer afrouxamento da fiscalização. Pelo contrário, pregam controle mais eficaz, com redução do tempo médio, eliminação de etapas, padronização e automatização de processos e ganhos para importadores, transportadores, despachantes e órgãos governamentais envolvidos na operação.
Aliás, o controle é uma das exigências dos empresários nesse tipo de operação. Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato, é importante não existir brechas para fraudes. “Toda modernização de procedimentos pela Receita Federal é fundamental para eliminar custos. É bem-vinda desde que muito bem controlada, pois do contrário poderá dar oportunidade para fraudes e para que se instale no País a remanufatura em concorrência com a indústria nacional.”
De acordo com o auditor-fiscal da RFB, Marco Aurélio Mucci Mattos, que integra o grupo de estudo para modernização do regime, o objetivo é retirar o formalismo que cerca a admissão temporária, identificar situações que possam ser simplificadas ou suprimidas, a fim de eliminar o excesso de trabalho e a burocracia. Segundo Mattos, o regime demanda, hoje, a apresentação de 30 documentos.
Mapeamento
As alterações sugeridas pela Aliança Procomex/Receita Federal começam pela competência dos fiscais envolvidos na operação. Mattos lembra que tudo o que se prevê em legislação o titular da unidade é o responsável e, mesmo que delegue aos chefes de serviço, seção ou setor, acaba por criar processos burocráticos e sobrecarregar as autoridades concedentes do regime. “Seria mais racional que o auditor-fiscal tivesse suas competências para as atividades do dia a dia”, disse ao comentar a proposta de deixar ao fiscal responsável pelo despacho a atribuição de deferir o regime e fixar o prazo de concessão.
Entre as situações-problema detectadas está o licenciamento na importação. Embora norma da Secretaria de Comércio Exterior indique a dispensa do licenciamento para o regime, inclusive no caso do Repetro, na prática, a tabela Tratamento Administrativo do Siscomex, ao indicar a exigência de LI, torna inócua a previsão legal, uma vez que não discrimina a incidência sobre importações gerais ou admissão temporária.
A solução proposta à Secex é tornar mais claras as situações com exigência do licenciamento na hipótese de admissão temporária, com alteração da tabela do Siscomex para exibir as referências precisas, caso a caso, por NCM ou situação.
A hipótese de dispensa de licenciamento também é cogitada no caso das importações de material usado, cuja regra exige licenciamento não automático, o que implica prazo de até 60 dias para tramitação.
e-Processo
O novo modelo de admissão temporária terá como um de seus pilares o e-Processo, hoje já internalizado na 8ª RF por Ordem de Serviço da inspetoria de São Paulo. Assim, a solicitação do regime será feita mediante processo digital, com base no formulário simplificado “Requerimento de Solicitação do Regime (RSR)”, que não mais amparará a concessão – que se materializará com a Declaração de Importação, sem necessidade de despacho decisório formal –, mas somente a solicitação do regime.
O uso do e-Processo não será obrigatório no primeiro momento, sendo respeitada a fase de transição. A formalização deverá ocorrer de modo compatível com as informações necessárias à análise do regime no e-Processo, para garantir a uniformidade, ainda que em papel.
Mattos explica que a DI será vinculada ao e-Processo, assim como as demais etapas, e, com isso, qualquer pendência será resolvida de forma mais rápida. As mudanças, além de atualização na legislação, implicam alterar o Siscomex, que demandará prazo maior.
A atualização do Siscomex deverá incluir o cálculo automático de tributos no caso de registro da DI para utilização econômica (tipo 12), que hoje é feito manualmente. A expectativa é que a alteração nos sistemas seja concluída no primeiro semestre de 2013.
O projeto também pretende alterar prazos. Segundo Mattos, o maior problema está na imprevisibilidade e desuniformidade na concessão do regime, pois cada unidade tem uma análise subjetiva. “Os prazos concedidos são restritos. Tem de se fazer tudo correndo; faz a entrada já pensando na saída e corre-se o risco de multa”, resume.
Concessão
A legislação em vigor prevê a concessão do regime pelo prazo contratado ou em até três meses, nos demais casos, prorrogável única vez por igual período. Ocorre que o texto legal gera ambiguidade, pois há autoridades que interpretam, caso deferido o regime por dois meses, que a prorrogação só pode ser por outros dois meses, quando existe, ainda, o entendimento de que poderia chegar aos três meses. Assim, a minuta de norma prevê a concessão, fixação e prorrogação de vigência do regime por prazo não superior ao previsto em contrato ou até um ano, nos demais casos, prorrogável por período que somado aos anteriormente concedidos não supere dois anos, no total.
Também será regulada a possibilidade de substituir o beneficiário para a totalidade dos bens que se encontrem no regime e disciplinada a mudança de finalidade da admissão temporária. A revisão da normativa pretende eliminar as variações para procedimentos de extinção, uma vez que a legislação atual permite diferentes interpretações.
Vale destacar que a orientação, a padronização e os detalhamentos sobre o novo modelo de controle de admissão temporária estarão descritos em manuais que poderão ser acessados pelos auditores e pelo público em geral diretamente no site da Receita Federal. O trabalho será liberado gradualmente e, na fase inicial, será suprido por orientações e notícias do Siscomex.
Para o advogado e diretor do Instituto de Comércio Internacional (ICI), Alexandre Lira de Oliveira, a simplificação e a harmonização dos procedimentos aplicados pelas unidades de despacho aduaneiro facilitarão as operações, garantindo maior segurança e previsibilidade às empresas que dependem do regime de admissão temporária. “Além disso, a forma como foi feito o trabalho, com a efetiva participação e intercâmbio de informações entre aduana e empresas, é emblemática no Brasil”, pontua.
Segundo o coordenador-executivo do Instituto Procomex, John Edwin Mein, os benefícios propostos preveem ganhos para todos e tornam o País mais competitivo no quesito procedimentos. “O caminho foi desenhado [no projeto] e isso é inovador. Estou esperançoso de que, sendo implementado, teremos mudanças significativas e uma grande diferença em como fazer admissão temporária no País”, concluiu.
Para entender
Admissão temporária: regime aduaneiro que permite receber num território aduaneiro, com suspensão dos direitos e encargos de importação e sem aplicação das proibições ou restrições de importação de caráter econômico, certas mercadorias (incluindo os meios de transporte) importadas com um objetivo específico e destinadas a ser reexportadas, num determinado prazo, sem terem sido objeto de qualquer alteração, com exceção da depreciação normal resultante da sua utilização.
Fonte: Sem Fronteiras